terça-feira, 1 de novembro de 2016

Eddard Cunha, o ladino saltimbanco.


Se eu dissesse que sou descendente da nobre família Obaskyr que governa Cormyr você acreditaria? Pois é... nem eu acredito, mas foi isso que minha tola mãe me contou quando criança. Ela não disse que eu era descendente direto do Rei, me contou que tudo foi fruto de uma noite de farra com um primo distante da família real.


Ainda assim, eu nunca acreditei, a princípio eu apostei que meu pai era o Drilborin, o meio elfo. Ele sempre rodeou a tenda da minha mãe, desde que eu era criança, mas depois de pensar um pouco, percebi que não poderia ser, já que não possuo nenhum traço de descendência élfica. Então passei a prestar atenção no Jankin, antigo trapezista que se tornou dono do circo pouco antes deu nascer.
Foi ele que me ensinou essa arte. Passei anos treinando cambalhotas, saltos e manobras com cordas e trampolins. Isso não significa que ele fosse bondoso comigo, muito pelo contrário. O maldito vivia se enfurnando na tenda da minha mãe durante a noite e sempre me chutava para fora de lá.
A coitada reclamava frequentemente e quando isso acontecia, ele me treinava no dia seguinte. Claro que ele frequentava tendas de outras mulheres também, a diferença é que o único garoto que ele ensinava pessoalmente era eu, suponho que por culpa. Foi por isso que me tornei um saltimbanco. Passei anos viajando com o circo. Éramos os melhores, rolava uma grana bacana, talvez até demais, por isso fomos atacados quando eu tinha doze anos.
Minha mãe foi violentada e assassinada. Eu não vi isso, mas sei o que aconteceu, porque voltei para conferir. O ataque ocorreu enquanto viajávamos para uma festa da colheita que ocorrera em Espar. Todos os homens foram amarrados, todas as tendas saqueadas e as mulheres violentadas. Eu consegui escapar depois de algum tempo, sempre tive facilidade com cordas, mas não pude fazer nada. Éramos uma comitiva de vinte pessoas, metade dela de mulheres e crianças e os bandidos eram uns trinta pelo menos. Dez montavam cavalos. Tudo o que pude fazer foi correr, me esconder e voltar no dia seguinte para encontrar o cadáver da minha mãe e enterrá-lo.
Ela merecia um sepultamento dígno, sempre foi boa comigo e a culpa me consumia por ser novo e fraco demais para protege-la. Enterrei outras pessoas, somente as que me trataram bem, estranhamente, eu não encontrei o corpo do Jankin, talvez ele tenha fugido, ou não. Há quem diga que ele andou se metendo em contrabando. Nada melhor que uma comitiva circense para esconder pedras, armas ou até mesmo pessoas que não deveriam ser vistas, não é mesmo?
Após isso, tudo o que fiz foi me virar. Há quem me chame de ladrão, eu diria sobrevivente, o que faria no meu lugar se você pudesse saltar muros com facilidade e o cheiro de pão fresco do outro lado fizesse sua barriga doer de tanta fome? Se você precisasse de roupas e calçados, mas as moedas que ganhava se apresentando na praça fossem tiradas à força pelos meio-orcs grandalhões? Você eu não sei, mas eu arrumava outras sempre que podia e a melhor forma de fazer isso era pegando de bolsas desprevenidas.
Vivi assim até os dezesseis anos, quando, em uma das minhas incursões, encontrei um velho com cara de rato e que cheirava a mofo e traças. Ele tinha a bolsa cheia de moedas, era lento e fácil de saquear, mesmo assim, continuava usando o mesmo caminho todos os dias.
Uma vez eu resolvi segui-lo e descobri que ele morava em uma biblioteca. Traduzia tomos e mais tomos e ganhava uma nota preta com isso, quem diabos diria que se pode ganhar dinheiro com uma pena na mão. Até então eu só tinha me preocupado em fugir e lutar quando fosse obrigado. Ler e escrever nunca tinha passado pela minha cabeça.
Surpresa maior ainda foi ouvir o velho falar meu nome e me dar boas-vindas. Timerion era o nome do sacana que ainda me perguntou como andavam minhas economias.
 Estavam zeradas, sempre se esgotavam em uma ou duas semanas, muito me assustava ele saber disso. Foi quando o mais estranho de tudo aconteceu. Ele disse que me conhecia, já tinha me visto apresentar com o circo e notara inteligência e perspicácia da minha parte. Como estava velho, se ofereceu para ser meu tutor. O plano era que eu tomasse o lugar dele.
Foi assim que aprendi a ler e escrever, passei anos estudando com Timerion e me tornei fluente no idioma dos anões, gnomos e dragões. Ele estava certo, traduzir tomos dava dinheiro, mas nunca deu força e poder. Timerion já era velho quando eu o conheci e em pouco tempo viera a falecer. Eu tentei continuar com seu trabalho, mas não consegui. A velha casa que também era uma biblioteca foi atacada e roubada.
Parece que o maldito possuía tomos valiosos e nunca me falou nada sobre eles. Se eu soubesse mais, poderia ter protegido o legado do velho, mas o sacana não confiou em mim. Quem em sã consciência confiaria em um saltimbanco andarilho, muito me estranhava ele já ter me ensinado a ler, escrever e falar outros idiomas.

Por isso eu resolvi largar o trabalho de escriba. Cansei de ficar sentado em uma mesa lendo sobre a vida dos outros, agora vou andar pelo mundo atrás de mais conhecimento, pois conhecimento é poder e eu cansei de ser fraco. 

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