Se eu dissesse que sou descendente da nobre família Obaskyr que governa
Cormyr você acreditaria? Pois é... nem eu acredito, mas foi isso que minha tola
mãe me contou quando criança. Ela não disse que eu era descendente direto do
Rei, me contou que tudo foi fruto de uma noite de farra com um primo distante
da família real.
Ainda assim, eu nunca acreditei, a princípio eu apostei que meu pai era
o Drilborin, o meio elfo. Ele sempre rodeou a tenda da minha mãe, desde que eu
era criança, mas depois de pensar um pouco, percebi que não poderia ser, já que
não possuo nenhum traço de descendência élfica. Então passei a prestar atenção
no Jankin, antigo trapezista que se tornou dono do circo pouco antes deu
nascer.
Foi ele que me ensinou essa arte. Passei anos treinando cambalhotas,
saltos e manobras com cordas e trampolins. Isso não significa que ele fosse
bondoso comigo, muito pelo contrário. O maldito vivia se enfurnando na tenda da
minha mãe durante a noite e sempre me chutava para fora de lá.
A coitada reclamava frequentemente e quando isso acontecia, ele me
treinava no dia seguinte. Claro que ele frequentava tendas de outras mulheres
também, a diferença é que o único garoto que ele ensinava pessoalmente era eu,
suponho que por culpa. Foi por isso que me tornei um saltimbanco. Passei anos
viajando com o circo. Éramos os melhores, rolava uma grana bacana, talvez até
demais, por isso fomos atacados quando eu tinha doze anos.
Minha mãe foi violentada e assassinada. Eu não vi isso, mas sei o que
aconteceu, porque voltei para conferir. O ataque ocorreu enquanto viajávamos
para uma festa da colheita que ocorrera em Espar. Todos os homens foram
amarrados, todas as tendas saqueadas e as mulheres violentadas. Eu consegui
escapar depois de algum tempo, sempre tive facilidade com cordas, mas não pude
fazer nada. Éramos uma comitiva de vinte pessoas, metade dela de mulheres e crianças
e os bandidos eram uns trinta pelo menos. Dez montavam cavalos. Tudo o que pude
fazer foi correr, me esconder e voltar no dia seguinte para encontrar o cadáver
da minha mãe e enterrá-lo.
Ela merecia um sepultamento dígno, sempre foi boa comigo e a culpa me
consumia por ser novo e fraco demais para protege-la. Enterrei outras pessoas,
somente as que me trataram bem, estranhamente, eu não encontrei o corpo do
Jankin, talvez ele tenha fugido, ou não. Há quem diga que ele andou se metendo
em contrabando. Nada melhor que uma comitiva circense para esconder pedras,
armas ou até mesmo pessoas que não deveriam ser vistas, não é mesmo?
Após isso, tudo o que fiz foi me virar. Há quem me chame de ladrão, eu
diria sobrevivente, o que faria no meu lugar se você pudesse saltar muros com
facilidade e o cheiro de pão fresco do outro lado fizesse sua barriga doer de
tanta fome? Se você precisasse de roupas e calçados, mas as moedas que ganhava
se apresentando na praça fossem tiradas à força pelos meio-orcs grandalhões?
Você eu não sei, mas eu arrumava outras sempre que podia e a melhor forma de
fazer isso era pegando de bolsas desprevenidas.
Vivi assim até os dezesseis anos, quando, em uma das minhas incursões,
encontrei um velho com cara de rato e que cheirava a mofo e traças. Ele tinha a
bolsa cheia de moedas, era lento e fácil de saquear, mesmo assim, continuava
usando o mesmo caminho todos os dias.
Uma vez eu resolvi segui-lo e descobri que ele morava em uma biblioteca.
Traduzia tomos e mais tomos e ganhava uma nota preta com isso, quem diabos
diria que se pode ganhar dinheiro com uma pena na mão. Até então eu só tinha me
preocupado em fugir e lutar quando fosse obrigado. Ler e escrever nunca tinha
passado pela minha cabeça.
Surpresa maior ainda foi ouvir o velho falar meu nome e me dar boas-vindas. Timerion era o nome do sacana que ainda me perguntou como andavam minhas economias.
Surpresa maior ainda foi ouvir o velho falar meu nome e me dar boas-vindas. Timerion era o nome do sacana que ainda me perguntou como andavam minhas economias.
Estavam zeradas, sempre se
esgotavam em uma ou duas semanas, muito me assustava ele saber disso. Foi
quando o mais estranho de tudo aconteceu. Ele disse que me conhecia, já tinha me
visto apresentar com o circo e notara inteligência e perspicácia da minha
parte. Como estava velho, se ofereceu para ser meu tutor. O plano era que eu
tomasse o lugar dele.
Foi assim que aprendi a ler e escrever, passei anos estudando com
Timerion e me tornei fluente no idioma dos anões, gnomos e dragões. Ele estava
certo, traduzir tomos dava dinheiro, mas nunca deu força e poder. Timerion já
era velho quando eu o conheci e em pouco tempo viera a falecer. Eu tentei
continuar com seu trabalho, mas não consegui. A velha casa que também era uma
biblioteca foi atacada e roubada.
Parece que o maldito possuía tomos valiosos e nunca me falou nada sobre
eles. Se eu soubesse mais, poderia ter protegido o legado do velho, mas o
sacana não confiou em mim. Quem em sã consciência confiaria em um saltimbanco
andarilho, muito me estranhava ele já ter me ensinado a ler, escrever e falar
outros idiomas.
Por isso eu resolvi largar o trabalho de escriba. Cansei de ficar
sentado em uma mesa lendo sobre a vida dos outros, agora vou andar pelo mundo
atrás de mais conhecimento, pois conhecimento é poder e eu cansei de ser fraco.
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